Entrevista com o Presidente da Câmara Municipal de Pombal (Dr. Armindo Lopes Carolino).
ENTR: Sr. Presidente, qual foi a reacção das pessoas?
A.C. Inicialmente foram soluções difíceis das pessoas entenderem, havendo até um caso ou outro em que as pessoas à revelia do que lhes era exigido construíram e a Câmara viu-se em meia-dúzia de casos perante situações de facto consumadas e acabou por compreender, de algum modo, o estado de espírito das pessoas e apesar de - na apreciação dessas excepções, nunca ter deixado de chamar a atenção para o facto de uma irregularidade de base de um facto consumado, acabou por regularizar essas situações, porque eram realmente excepções. Julgo que haverá no concelho, quando muito, um ou dois casos que não estejam regularizados e não estão porque os interessados não desenvolveram esforços nesse sentido, mas a abertura da Câmara é de modo a evitar um mal maior aos requerentes, dizendo muito embora que não se devia legalizar, etc., etc. acaba por legalizar para evitar demolir.
ENTR: Um dos aspectos também importante desta emigração são as remessas que os emigrantes enviam para o nosso país, muitas vezes para a sua área geográfica de origem/saída. É notório o investimento em alguns sectores, nomeadamente na área da construção civil.
A.C.: Exacto. O emigrante foi durante muito tempo o mercado preferencial da imobiliária, portanto, quer na imobiliária construída de raíz nas suas aldeias de origem, onde melhoraram ou construíram de raíz casas que já tinham e, numa segunda fase, dado o investimento produtivo, adquirindo parcelas de imóveis ou vivendas e propriedade horizontal na sede do Município ou em cidades vizinhas, nomeadamente, Figueira da Foz, Coimbra e também Leiria ou até Nazaré, Entroncamento, Algarve, isto já numa segunda fase. Também no aspecto do comércio e serviços se nota sobretudo nas aldeias e onde houve regresso de emigrantes, um investimento nessa área, através da abertura do talho, do mini-mercado, do café, que são, digamos, pequenas unidades ou médias unidades de serviços às populações locais que uma melhor arrecadação de moeda nos países que os acolheram, lhes permitiram disponibilizar e fazer um investimento aqui em Pombal, ou nas aldeias donde são originários, ou nas sedes mais desenvolvidas, metropolitanas, portanto, onde na sua óptica as remessas podiam ser mais bem rentabilizadas.
ENTR: Pode-se falar também, ao nível da construção civil, não na aquisição de imóveis, mas mais no âmbito da construção. Sr. Presidente, acha que este facto tem sido significativo para a dinamização deste sector ou são casos pontuais?
A.C.: Há uma década a esta parte os investidores da construção civil de imobiliário para transacção comercial, têm alguns elementos ligados à própria emigração ou a empresas privadas em nome individual que ligadas à construção civil nos países onde estiveram, sobretudo em França, e que depois regressados a Portugal, já nessa época em que poucos regressavam, enveredaram pela construção civil; temos o caso de dois ou três empresários aqui da nossa cidade e de alguns que estão sediados em Freguesias constituintes do Município que, efectivamente, para além de terem construído para si e investindo nas suas vivendas, acabaram por ou em nome individual ou através de empresas que entretanto construíram, enveredar pela indústria da construção civil, não restando dúvida nenhuma que foi com base nos dinheiros da emigração e inicialmente também aproveitando as facilidades de crédito, que as empresas bancárias, sobretudo os Bancos que recebiam as remessas desses emigrantes, utilizando o quadro normativo em vigor que lhes dava possibilidade de recurso a crédito, portanto, nesses investimentos que foram aproveitados e que depois acabaram por construir, firmas que hoje são firmas sólidas e que mantém a sua actividade na área da construção civil.
ENTR: Outro sector onde foi significativa a "fuga" das pessoas que emigraram foi no sector da agricultura, podendo-se falar quase que numa desertificação dos campos, quer ao nível do trabalho quer ao nível da mão-de-obra. Até que ponto isso foi significativo para o desenvolvimento da indústria?
A.C. É verdade que esta mudança de base na economia de subsistência contribuiu para que o Município de Pombal recorresse exactamente a essa mão-de-obra agrícola, a qual de acordo com as estatísticas em determinadas alturas estaria na ordem dos 60% a 70%, para fazer face à transição de operários que depois se acabaram de qualificar através de outras coisas, que se recorreu, dizia eu, para reforçar a mão-de-obra no sector secundário (indústria) e hoje, na minha opinião, o sector secundário ocupa a maior quota de população de mão-de-obra activa. Portanto, o sector da indústria de Pombal hoje deve ocupar na ordem dos 40 a 45% dos activos, tendo a agricultura descido para a ordem dos 25 a 30%, mais ou menos nas mesmas proporções e percentagens que o comércio e serviços, portanto julgo que estes são mais ou menos os números em percentagem em que podemos fazer fé e dizer que realmente a subida dos activos, no sector secundário, se ficou a dever ou se fez essencialmente à custa de mão-de-obra de activos que até aqui teoricamente era mão-de-obra de activos da agricultura.
Nota da dona do Blogue: Esta entrevista é elucidativa da deficiente estruturação da nossa economia. Uma base de desenvolvimento comprometida na construção civil e empreitadas, leva, mais tarde ou mais cedo, à estagnação económica como tão bem, a recente crise mundial, exemplificou.
Nota suplementar: Não fizemos correcções formais nem de conteúdo, nestas transcrições - as deficiências de linguagem são reais, ipsis verbis, o documento original, o que nos permite aquilatar do nível cultural, tanto dos entrevistadores quanto dos entrevistados. Em Pombal é muito antigo este eclipse intelectual.